Transnacionais violam direitos humanos na área da saúde
Por Brunna Rosa [Segunda-Feira, 9 de Junho de 2008 às 17:12hs]
O Tribunal Permanente dos Povos divulgou sua sentença a empresas transnacionais denunciadas por violações de direitos humanos, trabalhistas e de prejuízos ao meio ambiente. A instância foi instalada durante a 3ª Cúpula dos Povos, realizada em Lima, capital do Peru, em maio. Os alvos do Tribunal incluem petrolíferas, siderurgia, agronegócio, setor bancário, de água e de energia.
Para comentar uma das sentenças apresentadas na sexta-feira, 6, acerca da Roche, Fórum conversou com Renata Reis, da Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids (ABIA). Confira a entrevista.
Fórum – Qual a interferência das transnacionais farmacêuticas no abuso em testes de medicamentos, desrespeito à legislação nacional de quebra de direito de patentes?
Reis – Em maio deste ano estivemos no Tribunal Permanente dos Povos, no Peru. Nós apresentamos ao Tribunal dois casos, e um deles realizamos uma acusação formal. Contra a Roche e a Boheringer. No caso da Roche, a indústria produz um medicamento anti-Aids, o Valcyte, que combate doenças oportunistas de HIV e impede cegueira nos pacientes. Esse medicamento estava com a patente depositada no Brasil. Desta forma a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) prevê a possibilidade de anuência prévia, como forma de olhar as patentes com o olhar da saúde pública em cima dos interesses farmacêuticos. Isso não a muito comum em outros países começou no Brasil.
Em 20 anos de monopólio de uma patente o impacto é enorme nos orçamentos da saúde. E é claro que setores das transnacionais não vêem com bons olhos.
O pedido de anuência prévia do remédio Valcyte - o primeiro passo para a concessão de patente - foi negado preliminarmente pela Anvisa, a Roche não aceitou e entrou no judiciário, solicitando a extinção da anuência previa e a revisão da decisão da Anvisa. Está foi a denuncia apresentada no Tribunal, como as empresas agem no judiciário para atacar a soberania do país. A Anvisa, negou o pedido de concessão de patente, entendendo que haveria reflexos graves na saúde pública, já que o monopólio da produção de medicamento deste porte, ou seja, de importância no combate à Aids, causaria aumento do seu preço, inviabilizando, inclusive, licitações públicas para o seu fornecimento gratuito à população.
Como corporativa, da Roche, viola os direitos da cidadania, da saúde e do acesso aos medicamentos genéricos como conseqüência da aplicação do direito de propriedade intelectual, apresentamos a denúncia formal ao Tribunal. Nesta sexta-feira, 6 saiu a sentença
Já a Boheringer, testou um medicamento novo no Brasil. Realizou pesquisas no Brasil e, após as pesquisas obterem resultados positivos, a empresa se negou a registrar no Brasil o medicamento.
Realizamos a denúncia no tribunal alegando que a empresa estava se colocando contra todas as normas de técnicas e ética de pesquisas. Se a empresa não pede o registro, ela impede o acesso da população como um todo, inclusive do Programa Nacional de DST/Aids. No dia da aprensentação da denúncia, a empresa nos procurou afirmando que tinha entrado com pedido de registro do medicamento no Brasil. Sendo assim só relatamos a situação, mas não formalizamos a denúncia.
Fórum – Houve a sentença do Tribunal, e qual foi?
Reis – Foram apresentados 24 casos de práticas das transnacionais que implicam nas violações dos direitos humanos. No caso do acesso a saúde, a Roche estava no eixo da nova constituição e privatização da justiça. A sentença final do Tribunal Permanente dos Povos tem 31 páginas e recomendo a leitura completa para não generalizar. (leia aqui na íntegra)
Fórum – O licenciamento compulsório do medicamento anti-Aids, Efavirenz, assinado em maio de 2007 completou um ano. Qual a situação da produção local e estatal do medicamento?
Renata Reis – A sociedade de civil se mobilizou alguns anos, tanto para estudar as propriedades intelectuais quanto para outras questões. Uma das bandeiras da sociedade civil, sempre foi o licenciamento compulsório, prevendo que é necessário uma flexibilidade nas leis, no que tange o objetivo de diminuir os impactos negativos do monopólio de patentes. Acreditamos que a decisão de quebra de patente do Efavirnz não foi apenas devido a posição unilateral do governo, mas fruto da pressão de uma sociedade civil nacional e internacional. Com a quebra de patente, a licença não é feita exclusivamente para produção local, mas é claro que o componente da produção local sempre foi importante.
Na época da licença, saiu o decreto afirmando que o primeiro momento haveria importação do remédio da Índia, enquanto o Brasil ajustaria seu parque tecnológico. Segundo o decreto, o prazo veiculado era de um ano. Completado este um anos, nós da sociedade civil preparamos um pronunciamento perguntando: “Um ano de licenciamento compulsório: onde está a produção local do medicamento efavirenz?” (leia na íntegra). Distribuímos para a imprensa o pronunciamento, enviamos aos Ministério e a Farmanguinhos, o Instituto de Tecnologia em Fármacos, órgão que integra a Fundação Oswaldo Cruz.
Para nós, a grande questão é que não houve transparência neste processo. Não tínhamos informações acerca do que se passava, só sabíamos o que a imprensa anunciava. Na semana passada, recebemos a resposta da Farmanguinhos.
Fórum – Qual foi o motivo do atraso ou da não produção do medicamento?
Reis – Quem assina a carta é o Eduardo de Azeredo Costa, diretor de Farmanguinhos. Segundo ele, houve atraso na formulação e acabou não passando nos testes da Anvisa (leia a carta). Mas, o que queremos mesmo é um processo mais transparente, entendemos que a sociedade civil deve acompanhar o desenvolvimento do medicamento.
Fórum – Existe um novo prazo?
Reis – Segundo a carta, no começo de 2009.
Fórum -- A Central Internacional de Compra de Medicamentos (Unitaid), criada em 2006, em recente reunião discutiu a quebra de patentes. O fato de pautarem essa discussão e considerarem legitima não é mais um motivo para impulsionar as quebras de patentes não só dos medicamentos anti-Aids, mas outros que assolam, principlamente os países sub-desenvolvidos ou em desenvolvimento?
Reis – A Unitaid, pensa na questão da sustentabilidade do acesso aos medicamentos e como acessa- los, os que não tem. É um bojo de se pensar mundialmente fontes de recursos para se sustentar o acesso. Esses órgãos ligados a agências da ONU estão pensando e discutindo a propriedade intelectual e a saúde pública. Mas, a coisa mais importante é a discussão desse tema na Organização Mundial do Comércio (OMC).
A OMC está discutindo propriedade intelectual e saúde publica desde 2003. Havia uma polêmica, e a OMC já reconhece que as políticas do comércio interferem na saúde. Para nos a incorporação desse debate é importante, pois não incorporar esses temas no coração do comercio, tudo no mesmo balaio é um enorme avanço.
Fórum – Não por acaso os países que são mais resistentes a quebra de patentes e o assuntos relacionados a propriedade intelectual são paises sedes das transnacionais. Em sua avaliação, como isso pode interferir no que você aponta como avanço das discussões nos órgãos ligados a ONU?
Reis – Tem um livro importante chamado “Chutando a Escada”. Essa é a metáfora perfeita para explicar o que acontece com a propriedade intelectual. Os países que querem as propriedades intelectuais e cobram regras rígidas, são os países que chegaram ao desenvolvimento com regras frouxas. Chegando a esse desenvolvimento você “chuta a escada” para os que estão no caminho não cheguem.
Sem sombra de dúvida, esse comportamento protege mais quem tem a tecnologia e retarda a chegada dos que estão em desenvolvimento. A uma seara tecnológica avançada, usada para proteger as ilhas de monopólio. O grande debate hoje é para além das questões do monopólio, muitas pesquisas apontam que as patentes não têm gerado maiores avanços, não geram aumento no leque de opções tecnológicas.
As moléculas são muito semelhantes, e dão possibilidades de formar milhares de pequenas modificações em moléculas e realizar pequenas modificações, que lhe dão a possibilidade de mais 20 anos de monopólio. Para que você vai investir milhões se pode fazer pequenas modificações e continuar o “mais do mesmo”?
terça-feira, 10 de junho de 2008
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