terça-feira, 11 de março de 2008

Ousadia de abrir portas, por Eliane Silveira

Em seu livro Mulheres, Eduardo Galeano conta a história da pequena Milay, de cinco anos, filha de um professor que foi preso e torturado, durante a ditadura militar, no Uruguai. A menina teve um desenho de pássaros rasgado nas portas da prisão, num dia de visita, porque estes estavam proibidos, pela perigosa idéia de liberdade que inspiravam. Na semana seguinte, Milay foi novamente visitar seu pai e, desta vez, levou um desenho com árvores. Estas não estavam proibidas e sua pequena obra de arte foi liberada. Emocionado com o desenho da filha, o pai quis saber que pequenos frutos eram aqueles nas copas das árvores. Num sussurro, ela explicou: são os olhos dos pássaros que eu trouxe escondidos para você.

Penso que esta história resgata o maior dos significados do 8 de março, Dia Internacional da Mulher. Talvez hoje, para muitas, pareça sem sentido e até mesmo discriminatório ter um dia específico no calendário. Para outras, todos os dias deveriam ser de todos os seres humanos, independentemente de seu sexo. Porém, se paramos para refletir, vamos encontrar muitas Milays passado afora, que não tiveram medo de enfrentar proibições e, com isso, fizeram com que muitas portas fossem abertas para as mulheres dos nossos dias: na academia, na política, no mercado de trabalho, na ciência, no Judiciário, entre tantas outras.

Foram senhoras de engenho em outros séculos, escravas, escritoras, compositoras, professoras. De Chiquinha Gonzaga a Anita Garibaldi, de Maria Quitéria a Olga Benário, todas cumpriram o seu papel na grande tarefa de abrir caminhos às mulheres. É essa diversidade que dá novo significado ao Dia Internacional da Mulher, não como uma data comemorativa, ou ligada a um único fato histórico, mas como um momento de balanço dos avanços, conquistas e retrocessos em relação aos nossos direitos.

São estes balanços e pesquisas que evidenciam, em pleno século 21, a situação de desigualdade vivida pela ampla maioria das mulheres. Por mais que pareça discurso batido e surrado, ainda são elas as maiores vítimas de violência, as que recebem salários menores para funções iguais, as que respondem praticamente sozinhas pelo trabalho doméstico e o cuidado das crianças e idosos. O que muda? A redução tímida da diferença nesses percentuais. O que se mantém? O preconceito de gênero, raça, geracional e orientação sexual, que podem ter uma tripla ação no caso de uma mulher jovem e negra, por exemplo.

É neste cenário que os movimentos de mulheres atuam, que as feministas lideram estudos e pesquisas, enquanto o Dia Internacional da Mulher resiste preso numa única data, sem conseguir expandir-se para outros pontos do calendário. Simone de Beauvoir celebrizou a frase: "Não se nasce mulher, torna-se mulher", numa alusão à construção histórico-cultural que condiciona a mulher, desde a infância, ao seu sexo. Creio que seguimos o curso da transformação desta realidade. A igualdade entre homens e mulheres é um horizonte possível se, como a pequena Milay, não desistirmos diante das dificuldades e mantivermos a ousadia, a criatividade e o amor à causa.

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